[Séries de TV] Chefs Table

Na véspera da estréia da segunda temporada de Chefs Table, achei que era hora de rever a primeira temporada e escrever sobre ela. Na verdade eu já a assisti tantas vezes que a estréia da nova temporada foi uma desculpa para ver de novo e, finalmente, escrever sobre minhas impressões. 

Fonte:Netflix

Fonte:Netflix

A série conta com 6 episódios, cada um centrado num chef diferente. O enfoque vai muito além da comida e o trabalho que elevaram o cozinheiro ao patamar dos grandes da atualidade. É, na verdade, muito mais sobre a história de cada um deles na busca por sua identidade na cozinha e as dificuldades enfrentadas no trajeto de cada um. Em todos os episódios, é possível compreender que definir seu estilo na cozinha pode ser algo árduo, complicado e desestimulador. Na série, os chefs têm um ponto comum além da profissão: todos fizeram o movimento de retorno às suas origens gastronômicas para encontrar sua voz. A busca pelo domínio da cozinha clássica, especialmente a européia, foi apenas o começo de uma jornada de autoconhecimento e muito trabalho, até que aquilo que se estava procurando surgiu como se sempre estivesse presente. 

Alguns episódios me tocaram mais que outros e o sobre Francis Mallman foi omeu favorito, porque eu já conheço o trabalho dele e já tive a sorte de comer num de seus restaurantes. De todo modo a série vale ser assistida inteira, eu gostaria inclusive de comprá-la par ter guardada pra sempre. Um breve resumo dos seis capítulos:

  1. Massimo Bottura: mostra as dificuldades do chef ao desafiar o povo italiano a provar a clássica comida italiana de uma forma totalmente nova e única. O início, onde ele conta sobre como ajudou os produtores de Parmiggiano Reggiano a venderem toda a produção, danificada após um terremoto, é muito interessante!
  2. Dan Barber: Foi a primeira vez que ouvi falar do chef. Me interessei muito pela sua busca incansável no desenvolvimento de produtos orgânicos vegetais cada vez mais saborosos. Unindo forças com os fazendeiros e agricultores que fornecem matéria prima aos seus restaurantes, Dan busca uma maneira de fazer seu restaurantes o mais sustentável possível levando o projeto às raias da obsessão. Recentemente assisti a uma TED dele muito interessante sobre peixes de criadouro.
  3. Francis Mallman: O que o chef tem de egoísta, tem de charme. O homem que cozinha ao ar livre, utilizando técnicas ancestrais de cocção em um pequeno rancho na Patagônia. O domínio que Francis tem do fogo surpreende e é incrível como ele está conectado com a sua terra. Enquanto reles mortais sofrem por falta de facas boas numa cozinha qualquer, Francis cozinha sob a chuva com uma tranquilidade que chega a comover. 
  4. Nikky Nakayama: Eu nunca tinha ouvido falar dessa jovem chef de descendência nipônica e foi interessante acompanhar o processo de criação dos pratos dela, todos inspirados na filosofia Kaiseki. Nikky tem todo o seu background em cozinha japonesa e enfrentou e continua enfrentando muita resistência pelo fato de ser uma mulher chef de cozinha, fazendo comida japonesa. 
  5. Ben Shewry: outro jovem desconhecido chef pra mim, o neozelandês que comanda o Attica em Melbourne, na Austrália. Ele conta como foi difícil começar de fato a cozinhar profissionalmente e o quanto as jornadas extenuantes de trabalho comprometeram sua vida familiar. No fim, a gente percebe que ele parece ter conseguido encontrar um equilíbrio entre os dois. 
  6. Magnus Nilsson: Este foi outro dos meus episódios favoritos. As adversidades que Magnus enfrenta para conduzir o restaurante foram transformadas em vantagens e tudo toma um sentido mágico. Localizado numa região fria e pouco habitada, grande parte dos ingredientes utilizados por ele são conservados de várias maneiras diferentes numa dispensa especial onde ele cura carnes, faz pickles diversos e guarda vegetais das mais diferentes maneiras que se pode imaginar. Conduzir um restaurante num lugar onde nada cresce por 6 meses ao ano é um desafio incrível e eu fiquei imaginando como seria comer num restaurante com uma proposta tão diferente. 

Segunda temporada

Estreou recentemente a tão esperada segunda temporada! Talvez porque trazia Grant Achatz e Alex Atala, e no rastro da excelente Cooked, eu estava realmente animada. Eu estive no DOM quando ele ocupava a 18a colocação no ranking da revista Restaurant. Também já estive em duas casas do Chef Achatz. Além do Astrid & Gastón, em Lima no Peru, estes restaurantes oferecem os melhores serviços que eu já experimentei até então. Para mim, estes episódios eram os mais esperados. 

Depois da maratona dos 6 episódios da primeira temporada(que fiz para escrever o post) eu estava inspirada e assisti aos episódios desta segunda quase que no mesmo dia. E percebi uma grande diferença entre as duas. A nova me pareceu menos excitante.

Vejamos:

 

  1. Grant Achatz: A história de como Grant enfrentou uma sentença de morte por conta de um câncer na língua é incrível, mais ainda como ele conseguiu reverter a situação. Tudo isso com o Alinea recém inaugurado e aclamado como o melhor de Chicago. As técnicas utilizadas por ele, os percalços que enfrentou para encontrar sua voz vanguardista em restaurantes pouco afeitos a novidades tecnológicas, os desafios de continuar chefiando o restaurante enquanto passava por um tratamento pesado contra o câncer... Tudo neste episódio é instigante. Pra mim é o melhor da série. E por isso, acho que deveria ser o último da sequência, muito embora você não seja obrigado a segui a ordem em que estão apresentados. 
  2.  Alex Atala:  O episódio sobre Atala traz um enfoque maior ao trabalho desenvolvido por ele na procura e valorização de ingredientes típicos da amazônia, como as formigas com gosto de capim limão. David Chang está no episódio rasgando todas as sedas para o chef paulista. Você acompanha Alex pescando, caçando, em aldeias indígenas, tratando com produtores, incentivando pequenos produtores a não desistirem dos produtos brasileiros. A parte da cozinha ficou um pouco negligenciada, eu achei. Mas talvez seja justo, uma vez que Atala tem cada vez mais sido um embaixador da cozinha brasileira do que cozinheiro em seu restaurante. Seu sous-chef, Geovane Carneiro, é quem toca a casa de fato. O passado punk, a vergonha de ser brasileiro quando partiu para a Europa e o orgulho de descobrir-se brasileiro quando expatriado são temas explorados na história de como Alex se tornou o expoente que é da cozinha brasileira.
  3. Dominique Crenn: Outra novidade pra mim. A chef abriu seu restaurante em 2010 e foi a primeira mulher a conquistar 2 estrelas Michelin nos EUA. Um feito e tanto! Este episódio tem um enfoque bastante íntimo, de como a chef enveredou pela cozinha. Sua relações familiares, as memórias da infância, o amor pelo pai, a abordagem afetiva de seu restaurante e a busca por si mesma. Deu vontade de ser amiga dela e de morar em São Francisco pra frequentar o Atelier Crenn.
  4. Enrique Olvera: Eu nunca fui ao México, o que é uma pena. E conhecer um pouco sobre o trabalho deste chef foi muito bacana. A história é um pouco parecida com as dos chefs não europeus/ norte-americanos: só deslanchou na cozinha quando aceitou suas raízes mexicanas. O restaurante Pujol serve hoje tacos e moles, inclusive um chamado 895 dias, de cor preta e sabor extremamente complexo, por conta da quantidade de ingredientes e do tempo de maturação. Pratos lindos, ingredientes maravilhosos e muita cultura mexicana no episódio. Deu vontade de ainda estar morando em Miami, só pra entrar no primeiro avião e ir ao México cumprir mais uma das viagens que eu sonho fazer. 
  5. Ana Ros: A história de uma quase diplomata que se tornou cozinheira por amor ao marido e por um acaso do destino. Parece até um conto de fadas moderno a história desta chef eslovena, que aprendeu a cozinhar literalmente na marra. Achei bacana que a série continue voltando suas câmeras para trabalhos não tão conhecidos, privilegiando as histórias de superação que só a cozinha proporciona. O trabalho de Ana parece muito consistente e visualmente incrível. E o mais legal de tudo é que ela está colocando a Slovênia no mapa da gastronomia mundial com o trabalho que desenvolveu. Vale demais!  
  6. Gaggan Anand: Um chef indiano que utiliza técnicas modernas de cozinha nos pratos tradicionais, mas que ainda sonha em ser aceito e reconhecido em seu país de origem. Pelo que o chef conta, a Índia é como a Itália: nenhuma comida é melhor que a da mãe. O indianos são tão tradicionais quanto aos seus pratos que não vêem o trabalho de Gaggan como algo autêntico. Se bem que, com toda a invasão da indústria de alimentação sobre o país nos últimos tempos, seus conterrâneos deveriam ser mais complacentes com o moço. Se aceitaram comer macarrão, pizza e frango frito por falta de tempo... E olha que ele conta sobre como o Curry, uma invenção inglesa; e o Naan, que na verdade é Persa, tomaram conta do imaginário mundial do que é a comida indiana real. O mais interessante é que o restaurante do chef fica na Tailândia e foi eleito o número 1 na lista de restaurantes asiáticos da revista Restaurant. Creio ser uma questão de tempo até que seu país acolha suas criações e se orgulhe do que ele fez. 

Como Chef's Table é uma série que demanda tempo de produção e parece ser bastante cara, acredito que manterão o ritmo atual. Se esta suspeita se confirmar, teremos uma 3a temporada somente em 2018. Estarei aguardando ansiosamente! 

[Cooked] A mínissérie do Michael Pollan no Netflix.

Eu estava em compasso de espera para assistir à série Cooked, do Netflix. Michael Pollan é um autor que sigo cada vez mais de perto, muito embora eu ainda não tenha nenhum livro dele em minha biblioteca. O jornalista começou a escrever sobre comida há algum tempo e acabou por se tornar um ativista no resgate das funções social e política da comida preparada em casa e compartilhada em família. 

Fonte: http://a.fastcompany.net/multisite_files/fastcompany/imagecache/1280/poster/2015/12/3054219-poster-p-1-how-michael-pollan-gets-us-to-actually-listen-to-him-when-he-talks-to-us-about-healthy-eatin.jpg

Fonte: http://a.fastcompany.net/multisite_files/fastcompany/imagecache/1280/poster/2015/12/3054219-poster-p-1-how-michael-pollan-gets-us-to-actually-listen-to-him-when-he-talks-to-us-about-healthy-eatin.jpg

Segundo ele, a industrialização chegou ao ponto de consumirmos produtos cada vez mais estranhos àqueles que costumávamos ter em nossas despensas tempos atrás. Muito embora o fortalecimento desta mesma indústria tenha se dado sob o discurso de que alimentos processados possibilitariam acabar com a fome no mundo, o que ocorreu foi um alheamento do processo produtivo da comida, aumentando o desperdício. Essa vitória da indústria sobre nosso hábito de cozinhar a própria comida tem sido responsável pelo desaparecimento de ingredientes e saberes culinários em todo o mundo. Fazemos escolhas cada vez piores e nos alimentamos sozinhos, desconectados do que a comida é, de fato. Isso tem consequências muito ruins. Chegará o dia onde nenhum ser humano sobre a face da terra será capaz de produzir e cozinhar seu próprio alimento?

A série é dividida em 4 episódios, dedicados a cada um dos 4 elementos fundamentais da natureza: fogo, água, terra e ar. Partindo de cada um deles, somos transportados para a história da alimentação e os costumes ancestrais de caça e saberes culinários dos povos, como os aborígenes australianos. O programa fala sobre as vantagens que a humanidade obteve após o domínio do fogo e sua aplicação sobre os ingredientes, proporcionando menor tempo de mastigação e digestão e nos deixando livres para outras atividades. No fim, devemos nossa humanidade e civilização ao fato de termos aplicado o fogo à comida um dia.

Outras descobertas vieram, como a agricultura, e a variedade de formas de conservação dos alimentos nos permitiu um sem número de possibilidades.  Fermentação, desidratação, salga ou cocção em meios ácidos, defumação e cura... Tudo isso nos permitiu driblar as adversidades das estações mais secas e frias, disponibilizando produtos para o consumo ao longo do ano. Isso, aliado à aplicação de técnicas diversas de cocção em meios diversos, além do modo de vida de cada povo. Estes foram ingredientes fundamentais para que tenhamos criado culturas gastronômicas tão diferentes nos quatro cantos do planeta. A riqueza de ingredientes, preparos, apresentações e sabores é uma das grandes maravilhas do mundo. Porém, corremos um risco incrível de perdermos nossas culturas e saberes culinários por conta das características do mundo moderno, como a falta generalizada de tempo. Isto somado ao baixo poder de compra da maioria da população mundial acaba proporcionando vantagens enorme às grandes empresas de fast-food, bem como da indústria de alimentos super-processados. Em consequência disso, a indústria introduziu conservantes, espessantes e melhoradores de sabor na busca por baratear seus produtos ao máximo, comprometendo a qualidade deles. Daí para as doenças comuns no mundo moderno, um pulo!

Uma das teses mais interessantes do autor é que ao termos terceirizado o trabalho de matar os animais que comemos (bem como todo o processo de preparação das peças para que possamos somente cozinhá-las), nós perdemos o respeito pelo sacrifício animal. Ignorando que a carne é produto de uma morte, desperdiçamos uma matéria-prima que até pouco tempo era utilizada em sua totalidade nas casas das pessoas, em preparos diversos. Enquanto o episódio abordava estas questões, eu me lembrava da minha avó matando galinhas no quintal. Depenando-as e limpando a carcaça até chegar aos miúdos, tudo seria aproveitado em vários tipos de preparação. Era um ritual que tomava quase que metade do dia. Hoje em dia compramos pedaços de frango em bandejas de isopor envolvidas em plástico filme. 

Particularmente fiquei chocada com a parte dedicada à cultura alimentar da Índia e países similares, como o Sri Lanka. Estes países têm sua cultura alimentar baseada nos ensopados, com cocção em meio aquoso. Como este tipo de preparo demanda mais tempo para ficar pronto, a indústria alimentícia encontrou terreno fértil para disseminar seus produtos na região. Aqui no Sri Lanka há uma profusão de propagandas da Knorr e da Maggi nas ruas. Estão conseguindo subverter toda a cultura gastronômica local do Rice and Curry e introduziram o miojo num país onde tradicionalmente não consome macarrão. Em toda festa popular que fui até agora, havia carrocinhas de miojo disponíveis e lotada de clientes. 

Com participações de Nathan Myhrvold, passando por uma cozinheira ex-funcionária do Chez Panisse, um especialista em churrasco no estilo americano e chegando a uma freira microbióloga, Michael nos leva a refletir sobre a importância do resgate do ato de cozinhar em casa. Nutrir nossa família como um ato político e de independência. Além de muito amor, é claro!