Gumbo: o prato síntese da história do Estado da Louisiana.

Eu sempre tive uma queda por Nova Orleans. Acho que foi o gosto por Jazz que me ligou à cidade onde eu sonhava passar o Mardi Gras um dia. A notícia da passagem do Katrina pela cidade e seu rastro de destruição me abalou e o desejo se intensificou. Em 2010, Treme, série da HBO sobre a reconstrução de um bairro de NOLA após o desastre, foi uma boa maneira de saber que a cidade resistiria e renasceria mais forte e isso só aguçou ainda mais minha vontade de ir. E aí, eu vim parar em Miami. E pra chegar à "The Big Easy", foi um pulo. A história dessa viagem merece um post à parte que virá a seu tempo.

Antes disso, no curso de gastronomia, ouvi falar de Gumbo pela primeira vez. E provei. Aprendemos os segredos do prato que agrega uma quantidade incrível de culturas diferentes, presentes em técnicas de preparo, ingredientes e temperos. Ao provar o prato, lá veio a minha memória afetiva me dizer que aquilo tudo era muito semelhante à "comida mineira" que se come na casa de minha mãe. Eu dou graças ao fato de ter sido, quase sempre, muito boa de garfo e curiosa em provar coisas diferentes. Tenho pena das crianças de hoje em dia, submetidas aos "Kids Menu" dos restaurantes, quase sempre comendo peito de frango e uma quantidade imensa de carboidratos simples, enquanto a comida de verdade, aquela que ajudaria a construir seus paladares, fica restrita ao prato dos adultos (por enquanto! Será que teremos adultos comendo isso a vida inteira? Tenho medo...). 

Lá em casa costumamos comer feijão, quiabo com baba, angu, frango ensopado ou carne moída refogada com molho, e limão. A porção de arroz está sempre à disposição, mas com excessão de meu irmão mais novo, quase ninguém o come: o gostoso é o resultado de uma prepação que você faz ao seu modo, no seu prato, com as quantidades necessárias para que a receita atenda seu gosto. Meu prato não fica igual ao do meu pai, que começa colocando bastante pimenta no prato. O de minha irmã também fica muito diferente, porque ela põe mais quiabo que feijão e não costuma por limão. E minha mãe também tem a sua forma de comer, fazendo uma mistura à sua maneira, não sem antes comer o feijão sozinho, como se fosse caviar. Nossa "comida mineira" é algo tão tradicional e único, que quando acontece de termos convidados para o almoço no dia em que é servida, tomamos o cuidado de explicar antes que eles presenciarão um ritual tradicional. Podem não gostar, mas têm de respeitar. E sim, podem comer da forma que querem, sem precisar copiar os donos da casa. Porque, infelizmente, não são todos que gostam de quiabo, muito menos quando ele é propositadamente preparado pra ficar com baba, que faz toda a diferença! Já tivemos alguns que não gostaram de ver uma família comendo comida sem arroz, cheia de quiabo, usando um garfo. E narizes torceram-se. 

O Gumbo me lembrou isso. Ao menos o que eu provei naquele dia. Só que acho que eu me deixei levar pela comparação com a comida de casa e contaminei minha memória do Gumbo. Que só fui confrontar quando estive em Nova Orleans, em 2013. E era muito diferente! O fato é que existem vários tipos do prato. Normalmente, apesar de haverem vários tipos de carne que podem ser utilizadas no preparo, quando você pergunta qual o tipo que determinada pessoa faz, a resposta virá do espessante: quiabo, roux ou Filé Powder (não é pó de filé, heim? É folha de Sassafrás moída! Hahahaha). O Gumbo consiste num ensopado bastante rico, apimentado, com texturas que vão das mais ralas às mais encorpadas, com carnes variadas - inclusive frutos do mar, cozido por muito tempo para desenvolver sabor. E que, como nossa Feijoada, fica melhor feito de véspera. É comido por todos, dos mais pobres aos mais ricos. E é o prato símbolo da história da Louisiana.

A receita que resolvi fazer foi a que encontrei no site do The Guardian, que heresia! Eu gostei de como a colunista pesquisou sobre o prato e de como ela conta quanto tempo aguardou pra fazer um Gumbo, escondendo-se atrás das desculpas de falta de ingredientes. Me identifiquei e resolvi fazer. E, pra ser bastante sincera, a receita se aproximou bastante das que provei na The Crescent City. Pra não quebrar a regra e para lembrar de casa, acabei incluindo uns feijões no último minuto. Mas como minha cota de heresias já tinha encerrado, optei por usar feijões vermelhos, ingredientes de outro prato típico do estado e queridinho de Louis Armstrong: Red Beans and Rice. 

Gumbo com linguiça Andouille, frango e feijão vermelho.

Há várias maneiras de servir o Gumbo. Por cima de quantidade generosa de arroz ou usando-o só pra fazer um charme. Aqui, o ensopado prevalece e o arroz está em quantidade suficiente pra complementar. Mas não absorve o molho todo.

Há várias maneiras de servir o Gumbo. Por cima de quantidade generosa de arroz ou usando-o só pra fazer um charme. Aqui, o ensopado prevalece e o arroz está em quantidade suficiente pra complementar. Mas não absorve o molho todo.

(serve 4 a 5 pessoas)

2 coxas e sobrecoxas de frango

Pimenta Caiena à gosto

50g de farinha de trigo

pimenta do reino moída na hora, à gosto

sal refinado à gosto

50 ml de óleo de girassol

1 cebola média, cortada em cubos pequenos

1 pimentão verde cortado em cubos

1 talo de salsão picado em cubos

1 litro de caldo de frango (frio)

2 folhas de louro

100g de quiabo cortado em rodelas

200g de linguiça andouille defumada, ou outra linguiça apimentada que tiver

1/2 colher de chá de Tabasco

380g de feijão vermelho cozido e escorrido

arroz branco, para acompanhar

Modo de preparo:

Tempere o frango com as pimentas caiena e do reino e o sal. Deixe-o coberto, por 30 minutos, antes de usar.

Tempere o frango com as pimentas caiena e do reino e o sal. Deixe-o coberto, por 30 minutos, antes de usar.

Enquanto aguarda o tempo de descanso do frango, corte os vegetais. Como nem sempre é possível encontrar quiabo fresco por aqui, eu usei congelado. E tb usei salsão congelado, porque sobrou de uma preparação que não usou o maço inteiro. Separe os out…

Enquanto aguarda o tempo de descanso do frango, corte os vegetais. Como nem sempre é possível encontrar quiabo fresco por aqui, eu usei congelado. E tb usei salsão congelado, porque sobrou de uma preparação que não usou o maço inteiro. Separe os outros ingredientes e pese a farinha de trigo. Deixe tudo separado pra usar.

Aqueça, em fogo médio, uma panela grossa ou de fundo grosso até que atinja a temperatura alta. Coloque o óleo e imediatamente depois, o frango. Cuidado pra não se queimar no processo, coloque o frango delicadamente pra não espirrar óleo. Doure as pe…

Aqueça, em fogo médio, uma panela grossa ou de fundo grosso até que atinja a temperatura alta. Coloque o óleo e imediatamente depois, o frango. Cuidado pra não se queimar no processo, coloque o frango delicadamente pra não espirrar óleo. Doure as pernas de frango dos dois lados. Reserve.

Doure as linguiças da mesma forma. reserve.

Doure as linguiças da mesma forma. reserve.

Para fazer o roux, que é um espessante francês à base de farinha de trigo e gordura em proporções iguais, verta a farinha de trigo na gordura que ficou na panela. Prefiro misturar com um fouet porque acho mais fácil controlar o cozimento do roux com…

Para fazer o roux, que é um espessante francês à base de farinha de trigo e gordura em proporções iguais, verta a farinha de trigo na gordura que ficou na panela. Prefiro misturar com um fouet porque acho mais fácil controlar o cozimento do roux com este utensílio. 

 

DICA: Para fazer roux clássico e manter na geladeira pra uso cotidiano, separe partes iguais de manteiga e farinha de trigo. Derreta a manteiga numa panela e junte a farinha logo em seguida, como mostrado no passo-a-passo aqui. Para fazer roux claro, com mais poder espessante, aguarde uns 5 minutos, mexendo sempre. Retire da panela e deixe esfriar antes de levar à geladeira. 

Será o roux quem determinará a cor do caldo do Gumbo. Portanto, você precisa ficar um tempo misturando os ingredientes, em fogo baixo, até atingir a cor desejada. A autora da receita sugere usar a cor de chocolate ao leite como referência. Aqui…

Será o roux quem determinará a cor do caldo do Gumbo. Portanto, você precisa ficar um tempo misturando os ingredientes, em fogo baixo, até atingir a cor desejada. A autora da receita sugere usar a cor de chocolate ao leite como referência. Aqui ele está na metade do caminho.

Acabei optando por não escurecer mais o roux por 2 motivos: Primeiro porque quanto mais escuro, menor será seu poder espessante. Segundo porque ainda teria de juntar os vegetais ao preparo e esperar até que perdessem líquido e murchassem. Essa foi a…

Acabei optando por não escurecer mais o roux por 2 motivos: Primeiro porque quanto mais escuro, menor será seu poder espessante. Segundo porque ainda teria de juntar os vegetais ao preparo e esperar até que perdessem líquido e murchassem. Essa foi a coloração final que usei. Ao final, achei o caldo muito ralo e adicionei roux comum que tenho na geladeira, já pronto. Usei 1 colher de sopa pra engrossar um pouco mais. O resto, foi o quiabo quem fez.

Coloque os vegetais cortados na panela e mexa sempre, até que murchem e fiquem macios. Adicione o caldo frio ao roux quente, aos poucos, mexendo sempre. O contraste de temperatura no roux é muito importante porque evita que o molho empelote. Aqui no caso, como o roux está quente, o líquido está frio. Ao final, quando o Gumbo já estava quase pronto e eu quis engrossar um pouco mais o molho, usei o roux gelado em cubinhos que tenho guardado. Já o líquido, estava fumegando. 

Junte as coxas de frango reservadas e o louro. Ajuste o sal um pouco, só pra que o caldo não fique sem graça enquanto cozinha o frango. Tampe e cozinhe por aproximadamente 1 hora e meia. Retire as perna de frango cozidas e desfie-as grosseiramente. Retorne a carne para o ensopado. Adicione o quiabo e a linguiça cortada em rodelas e cozinhe por mais 45 minutos. Cheque os temperos e ajuste-os antes de servir. Coloque os feijões, aguarde que os grãos se aqueçam e sirva imediatamente. Vai bem com vinho tinto leve, do tipo Pinot Noir.