Durante um tempo da minha juventude eu trabalhei como vendedora em lojas de shopping. Foram quase 4 anos no comércio, onde aprendi bastante. Inclusive que a vida não era tão cor de rosa como eu supunha e que existia muita gente a fim de puxar o seu tapete.
Foi trabalhando no comércio eu comecei a fumar. Sempre detestei cheiro de cigarro, mas logo percebi que os fumantes tinham uma vantagem naquele mundo que eu não tinha: podiam fazer uns intervalos da loucura da loja, ir pro corredor e acender um cigarro, conversar, falar das pessoas que passavam e rir. Passei a gostar do mise en scene do ato de fumar, a reunião que ele provocava, a formação de vínculos afetivos que ele proporcionava. Nem tudo tem só um lado ruim, né? O cigarro teve essa função recreadora pra mim. Houve um tempo onde abusei dele, mas logo depois eu decidi que seria um instrumento de diversão, não algo cotidiano. Parei. De vez em quando eu fumo, mas só pra dividir um momento, rememorar um tempo específico da minha vida ou dividir uma confidência com alguém especial.
Conheci a Renata numa das lojas onde trabalhei. Ambas fumávamos e acabamos ficando amigas muito rápido, porque tínhamos vários pontos em comum e gostávamos do jeito uma da outra. Logo depois a minha fase de comércio acabou e eu fui me enveredar por outros ares, mas nossa amizade já estava sólida o suficiente. Tenho várias memórias muito bacanas de nossa amizade naquela época, a mais marcante, porque envolve comida, foi esta que vou contar.
Uma vez, Renata me ligou convidando para passar a tarde na casa dela. Quando cheguei lá, ela abriu a porta de casa toda feliz, dizendo: "Paulette, comprei uma caixa de cervejas pra gente entornar todas assistindo Seal!" Eu adorava Seal. Eu detestava cerveja... Já estava toda sem-graça quando ela foi pra cozinha e voltou serelepe com um vidro na mão: "Inda fiz uma conserva de berinjela show pra gente comer com pão sírio, enquanto a gente bebe!". Eu odiava berinjela... Lá estava eu, numa situação desconfortável, pra falar o mínimo. Minha amiga achando que estava arrasando e eu preocupada em não tirar a alegria dela. Pensei que tinha de experimentar ao menos, pra não decepcionar. Se não gostasse, deixava pra lá e tudo certo. Ela ainda facilitou um pouco as coisas servindo um macarrão delicioso antes, cuja receita virou hit na minha casa em tempos de república (e na casa da minha mãe também). Daí, comi todo o macarrão, planejando malignamente só provar a berinjela por educação, dando a desculpa de que estava já satisfeita. Ledo engano!
Provei a dita da conserva e quase pirei de tão boa que era. Na verdade comi o pote inteiro, quase que instantaneamente. Não dei a mínima pro Seal. Depois, além de pedir desculpas pela falta de educação em acabar com o pote todo, acabei confessando meu trauma com berinjela. Ela achou o máximo ter me convertido e eu nunca mais esqueci desta berinjela da Rê. Minha mãe morria de ciúmes quando eu me recusava a comer qualquer outro prato feito com o vegetal, dizendo que "só comia berinjela se a Renata fizesse". Perturbei tanto a minha amiga pra ela me dar a receita que consegui, e agora eu posso fazer pra espalhar no corpo todo se eu quiser! Já fiz em duas festas diferentes e o povo levou o que sobrou pra casa. Dá até pra fazer rifa porque todo mundo sempre quer.
Nossa amizade sobreviveu ao tempo e à distância e lá se vão quase 20 anos. Eu voltei pra Brasília, perdemos contato. Ela mudou-se pra Brasília sem eu saber e um dia nos reencontramos 5 anos depois, ao acaso, numa empresa onde eu trabalhava. Tudo por causa de uma chuva que me fez desviar de meu caminho habitual. Ela mudou-se para Orlando algum tempo depois; eu, para Miami uns 4 anos depois dela. E aí a gente viu que esse lance de "destino-que-segura-algumas-pessoas-na-vida-da-gente-no-matter-what" é algo muito interessante. Pra mim é uma dádiva, dado que muitas das minhas amizades morreram por conta da distância, embora eu tenha feito esforços incríveis para que isso não acontecesse. Daí, a gente percebe que fica quem quer e faz questão, quem gosta mesmo de você. Que te procura quando te perde e quando finalmente te acha, é como se dissesse: "não vá mais embora porque você é importante pacas.". Tenho sorte! Agora, morando Sri Lanka e estando distante quase um dia inteiro de viagem, tenho a certeza de que nunca mais perderemos este vínculo, este grande amor chamado amizade e que é um dos grandes presentes da vida. Eu vou morrer de saudades, mas essa garota não me escapa nunca mais! "My precious..."
A receita que publico aqui leva quase os mesmos ingredientes que a dela e o modo de fazer eu modifiquei um pouco. Foi uma maneira de dar meu toque pessoal e também de preservar a obra-prima dela. Porque parte da minha memória afetiva é comer a berinjela ao lado da Renata, vendo ela olhar com satisfação pra mim e perguntando se gostei. A conserva sempre vai ter mais sabor assim. E enquanto a gente não se encontra de novo eu vou fazendo esta versão pra ficar mais perto dela.
Garanto que vai te fazer sorrir também. Mãos à obra!
Antipasto de Berinjela (inspirada na berinjela Rêal, da fofa da minha amiga querida)
600g de berinjelas com casca (se preferir descascá-las, coloque aí mais uns 150g)
1 cebola média
250ml de vinagre de maçã
250ml de azeite de oliva extra-virgem
sal a gosto
orégano seco a gosto
alho cru picado em lâminas finas (sem o broto do meio) a gosto
Castanhas do Pará picadas a gosto
Passas brancas sem sementes a gosto (pode ser a escura)
Pimenta do reino moída na hora.
Modo de preparo:
No fim, pra quem odiava berinjela, este é um dos ingredientes que mais aparecem neste blog. Obrigada, Rê!